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domingo, 3 de abril de 2011

Amoreiras - Santos - Amoreiras

Esta foi uma semana diabólica num mês infernal em termos de trabalho. Mas a sexta-feira parecia vir a ter todas as condições para ser calma e jurei a mim mesma que iria aproveitar os vinte e sete graus anunciados pelos meteorologistas para dar um passeio à hora de almoço. Assim fiz, tendo como único plano ir para onde os pés me levassem durante o tempo limitado que tinha à minha disposição.


Comecei por descer a Rua do Sol ao Rato, que liga Campo de Ourique ao Largo do Rato e, aí, decidi que desceria pela Rua de São Bento, pelo menos até à Assembleia da República. Esta é uma rua de que gosto particularmente, não só por me recordar a minha curta mas espectacular experiência como jornalista, em que passava parte do meu tempo nos Passos Perdidos, como também pela sua luz e pelas suas lojas de antiguidades e velharias, onde se vê desde os monos mais asquerosos que o mau gosto humano tem capacidade de criar até peças de arte e de mobiliário simplesmente maravilhosas.


A descida é fácil e agradável à vista e ao andar, apesar de vários dos prédios estarem cobertos por andaimes ou tapumes. É mau para as fotografias, mas é sinal de que, aos poucos, a cidade vai sendo recuperada, o que me deixa realmente feliz. Entre as conversas mais ou menos próprias dos "homens das obras", que repousam à sombra na sua pausa para almoço, ouve-se um ou outro acorde quando se passa pela casa-museu Amália Rodrigues, talvez de uma guitarra a ser dedilhada, talvez - mais provavelmente - de uma gravação a chamar os visitantes.


Após quase dez minutos de descida por entre casas cheias de cor, a rua abre-se num largo imponente, eminentemente branco, salpicado pelo verde e pelas flores, perturbado apenas pelo movimento dos transeuntes e onde esta grande árvore nos dá as boas vindas à casa da democracia, que tanto tem sido desprestigiada nos últimos anos, que tanto tem visto e ouvido do mal que se tem feito a este país em prol de objectivos pessoais.


Tinham passado trinta e cinco minutos. Decidi ir a Santos e a opção lógica teria sido seguir pela D. Carlos I. Mas continuei pela Rua de São Bento, espreitando sempre pelas ruelas que subiam à minha esquerda e que plantavam já a ideia de regressar a pé e não de táxi como inicialmente tinha planeado. Esta parte da rua está mais decadente, talvez por ser mais estreita, talvez por ser menos visível, provavelmente por a maioria das pessoas fazer a opção lógica que eu havia decidido não escolher. A rua fica assim sujeita apenas ao escrutínio mudo dos seus velhos inquilinos.  


Passando de raspão pela Rua do Poço dos Negros, entramos em mais uma ruela que nos leva a Santos, mais precisamente à Rua da Boavista. Pensei em ir ver o rio. Pensei passar pelo jardim. Pensei gastar o resto do tempo a andar por ali e depois apanhar um táxi para voltar. Mas as escadarias perpendiculares à Rua de São Bento tinham-me aberto o apetite e apanhei a rua seguinte, voltando para trás a pé e aproveitando todos os minutos possíveis daquele dia magnífico. 


Uma das coisas que mais me surpreende em qualquer cidade é o contraste entre o bulício das suas ruas mais populares e a paz serena das ruas secundárias, mesmo que estejam a uns meros cem metros de distância. Assim que voltei a subir, tive a sensação de estar noutra cidade, mais deserta, mais sozinha, com uma ou outra janela com roupa estendida, uma ou outra cabeça idosa a espreitar e a pensar na vida. 


A Rua da Cruz dos Poiais levou-me ao Largo de Jesus, onde se impõem a Igreja das Mercês e o Liceu Passos Manuel. No largo da igreja brincavam algumas crianças, despreocupadamente, sem medo de perigos, o que me transportou à minha infância e aos tempos em que era sempre seguro brincar na rua.  


Daí segui para a Rua de São Marçal e deixei-me fascinar pela Praça das Flores, cheia de vida com o seu Quiosque de Refresco, enfeitada pelas magnólias em flor e embalada pelo som doce de uma guitarra. Não me lembro de alguma vez ter atravessado aquela pracinha perdida no meio das ruelas lisboetas e fiquei com pena de não a ter descoberto mais cedo na minha vida.


A Rua do Monte Olivete levou-me de volta à confusão de trânsito que caracteriza a Rua da Escola Politécnica. O relógio e as dores nos pés mostravam-me que estava na hora de voltar para a segunda parte do dia de trabalho. Mas a minha máquina continuou atenta e não deixou escapar os recortes da ponte e da Basílica da Estrela lá ao fundo, que marcam sempre os contornos de Lisboa e me lembram que ainda há muito para explorar na minha cidade.


Com este passeio de hora e meia repus energias, afastei a memória da chuva intensa do início da semana e fiquei feliz para o resto do dia. 

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