Google Website Translator Gadget

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

A casa do desassossego

É com alguma vergonha que vos conto que nunca dediquei a Pessoa o tempo que lhe é devido. A poesia é-me essencial, mas cedo me perdi nos Herbertos, nos Nerudas e nas Sofias e fui negligenciando o Fernando, o Bernardo, o Ricardo, o Álvaro e as suas sessenta e oito outras personalidades ou semi-personalidades (heterónimos? Prefiro chamar-lhes personalidades), não tendo lido mais do que dois ou três dos seus livros e alguns poemas soltos que me foram passando pelas mãos. Prometo aqui e agora redimir-me futuramente desse pecado que é ser portuguesa, ser lisboeta, ser amante de poesia e tão pouco conhecer da mente inquieta deste homem que tantos outros tinha dentro de si. 

Nos seus últimos quinze anos de vida, Pessoa viveu na Rua Coelho da Rocha, em Campo de Ourique, num pequeno quarto de um não muito grande prédio que hoje em dia alberga a Casa Fernando Pessoa, um edifício que nos atrai imediatamente a atenção por estar integralmente tatuado com uma das Odes de Ricardo Reis. Já por lá havia passado tantas vezes, já tinha mesmo programado ir assistir a uma das muitas leituras de poesia que se vão fazendo por lá, mas acabou por nunca acontecer. Enfim...


Quando passamos a porta, entramos num mundo de pedra, madeira e, sobretudo, de vidro. As paredes, essas, estão também todas elas escritas com as mesmas palavras que, porém, vão parecendo outras de quando em vez.                                                         



A abundância do vidro faz com que praticamente todos os espaços estejam inundados de luz e dá uma visão global do interior a partir da maioria dos seus pontos.           


A excepção será talvez o último andar, mais sombrio, onde está de momento uma exposição de Fábio Lavareda com ilustrações sobre quatro dos mais famosos heterónimos de Pessoa.


O auditório, ligado ao piso superior por duas vias, está decorado com objectos outrora pertencentes ao autor e várias obras de arte em torno da sua figura. Gostei especialmente de um jogo de matraquilhos criado por João José Brito, no qual onze Pessoas desafiavam nomes como João Gaspar Simões (à baliza), Casais Monteiro e Eduardo Lourenço à defesa, Arnaldo Saraiva, Mário Sacramento, José Blanco, Jorge de Sena e Fernando Guimarães a construir as jogadas e os avançados Jacinto Prado Coelho, José Augusto Seabra e David Mourão Ferreira.



No primeiro andar, está o quarto onde pessoa viveu os seus últimos anos, modesto mas acolhedor, onde estão expostas palavras escritas pelo seu punho e móveis que o acompanharam ao longo da vida. As paredes estão repletas de frases soltas que não as do poema que inunda a casa. E, é claro, o seu fato, a sua camisa branca e o eterno chapéu preto, indissociável da sua imagem.


Nas zonas de passagem, vamos encontrando alguns dos objectos icónicos de Pessoa, boletins escolares e excertos da sua história pessoal.


No piso térreo, encontramos a loja e um dos espaços de exposição, onde estão de momento fotografias de Caseirão, compostas e tiradas em torno de várias cartas de Pessoa, com um resultado final muito interessante...


A parte mais emblemática da casa é, sem dúvida, a biblioteca. No seu acolhedor espaço distribuído por dois pisos, vários Pessoas em miniatura sobrevoam-nos, encavalitam-se e observam-nos, a quem visita e a quem ali estuda e investiga. Não sei como (talvez não estivesse exposto) deixei escapar um dos mais conhecidos retratos de Pessoa, de Almada Negreiros. Em contrapartida, gostei particularmente dos três quadros que retratam uma janela da casa em três momentos do dia, achei brilhante a alteração na luz. Mas não consegui perceber quem os pintou.

Obviamente, o mais importante desta biblioteca são os livros e ali podemos encontrar aquela que foi a sua colecção pessoal, as suas obras, os livros que se foram escrevendo sobre ele e um fundo de obras de poesia portuguesa e estrangeira. A não perder!



E terminou assim a minha visita à Casa Fernando Pessoa. Infelizmente, acabei de saber pelo seu blogue, deixa a partir de hoje de estar aberta ao Sábado, provavelmente em (des)virtude da grande tesoura que hoje nos rege e que olha a custos sem avaliar convenientemente os benefícios. Sem mais poder fazer, deixo-vos com este olhar de Pessoa e com as palavras de Ricardo Reis que me acompanharam em toda a visita.



Pesa o decreto atroz do fim certeiro. 
Pesa a sentença igual do juiz ignoto 
Em cada cerviz néscia. É entrudo e riem. 
Felizes, porque neles pensa e sente
A vida, que não eles! 

Se a ciência é vida, sábio é só o néscio. 
Quão pouca diferença a mente interna 
Do homem da dos brutos! Sus! Deixai 
Brincar os moribundos! 

De rosas, inda que de falsas teçam 
Capelas veras. Breve e vão é o tempo 
Que lhes é dado, e por misericórdia  
Breve nem vão sentido.

(Fonte: Arquivo Pessoa)

2 comentários:

  1. Com a crise tudo se corta, excepto o bem estar da classe política. Mas isso são outros assuntos.

    Obrigado pela visita guiada e até acho que o tal blogue da Casa Fernando Pessoa, poderia "linkar" esta visita em palavras.

    ResponderEliminar
  2. Sem dúvida, Remus, sem dúvida...

    De nada, obrigado pela visita :)

    ResponderEliminar

LinkWithin

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...