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domingo, 22 de janeiro de 2012

Leaving Lisboa

Leio na Pordata que ultrapassei, há algum tempo, metade da minha vida expectável pelo que faz sentido ter já pensada a forma como hei-de partir deste mundo, dadas as alternativas à disposição. Se quiser acrescentar algum rigor a esta contagem, o meu fim há-de estar mais próximo, ponderados alguns aspectos da maneira como me trato, tão censuráveis como ignorados por quem prepara estas estatísticas, como o meu sedentarismo, o meu excesso de peso ou o gosto excessivo pelo tabaco.


Na verdade já há uns bons anos que me convenci que a melhor alternativa para mim seria a cremação. A descrença em qualquer forma de complemento à vida terrena, o trabalho que dá manter uma campa e o sofrimento associado aos ritos da morte parecem-me argumentos mais que suficientes para suportar esta opção, a que aliás não associava nenhum inconveniente até ver os familiares do Carlos Castro a levarem com os seus restos incinerados na cara empurrados pela corrente de ar da ventilação do metro de Nova Iorque onde os tentavam depositar.


Visitar o cemitério dos Prazeres deu-me uma boa oportunidade de ver como é que os lisboetas têm vindo a lidar com esta questão desde o século XIX. E o sentimento com que fiquei é que dão muita importância ao fenómeno, consumindo recursos avultados para erigir jazigos monumentais, muitos deles assinados por arquitectos. Julgo que não há outro cemitério em Lisboa com tantas construções destas, alguns com dimensões impressionantes, quase a querer concorrer em altura com os abundantes ciprestes.

Para além das construções que mandam fazer, é notável a quantidade de placas tumulares em que não prescindem de fazer preceder o nome do defunto do título honorífico ou do que os ocupava em vida, quem sabe na esperança de que isso lhes sirva de referência no além, um certificado de habilitações tumular, o que até faz algum sentido para quem acredite na eternidade, já que passá-la numa ocupação menor depois de ter usufruído de uma vida de elite não deve ser nada agradável.


Este pretensiosismo será mais evidente aqui por se tratar do cemitério que serve a zona ocidental de Lisboa, tradicionalmente uma parte nobre da cidade, habitada por conselheiros, juízes, médicos, políticos ou oficiais do exército, para nomear apenas alguns. Enfim, alimento para vermes como todos os outros, com a provável diferença de ser um pouco mais calórico.


Se todo o cemitério está repleto destas obras de dignas de nota, o destaque tem de ser dado ao mausoléu do Duque de Palmela, o maior da Europa erigido por particulares, que alberga os restos mortais de cerca de 200 pessoas, a maior parte familiares daquela figura da história. É uma construção inspirada nas pirâmides egípcias, eventualmente na simbologia maçónica que também se vê reproduzida em muitos outros jazigos por todo o cemitério.


O cemitério dos prazeres é uma verdadeira aula de história, onde se encontram vestígios da história contemporânea portuguesa e lisboeta, tanto que pode ser visitado com recurso a um guia. E essa será uma experiência imperdível, a julgar pelas estórias que se adivinham escondidas naqueles túmulos, jazigos, símbolos e ciprestes, pelos mistérios representados nas decorações tumulares, pelas inscrições mais ou menos enigmáticas que dão pistas para conhecer (ou imaginar, como prefiro) vidas que já foram.

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