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sexta-feira, 25 de maio de 2012

A melhor varanda de Lisboa

Um amigo conseguiu a proeza de marcar uma visita ao Arco da Rua Augusta. Fez o favor de me estender o convite e eu não me fiz rogado.

Confirmei que ia, apontei na agenda e, por causa da antecedência e de umas semanas demasiado aceleradas no emprego, esqueci-me da marcação. Até que o aviso me saltou do PC, apanhando-me desprevenido a meio de um dia de trabalho, sem a minha fiel Nikon. 

A oportunidade era única e não a quis desperdiçar pelo que me decidi a ir, mesmo que condicionado a fotografar com o telemóvel. É que o Arco não está aberto ao público e as visitas só se fazem com marcação prévia (havia pessoas no grupo que o tentavam há cerca de um ano). Para além disso, as visitas irão cessar por tempo indeterminado a partir do fim de Maio, por uma razão incompreensível: a tutela do monumento vai passar da Direcção Regional do não-sei-quê para uma Direcção Geral do mesmo-não-sei-quê e não há mais visitas até que o novo organismo decida o que fazer. Enfim, um argumento tão imperscrutável como o que impediu que até agora o Arco estivesse aberto ao interesse do turista que passa pela Baixa.

O acesso ao interior do arco está discretamente escondido sob a forma de uma pequena porta verde sob as arcadas do lado esquerdo, para quem está de frente para o Terreiro do Paço.

A porta dá acesso a uma apertada escada em caracol que nos leva, depois de vencidas umas boas dezenas de degraus, a uma câmara vazia ao nível dos telhados dos ministérios e que é soberbamente iluminada através de uma claraboia. Cenário digno de um livro de Dan Brown já que, àquela distância da rua, o bulício da Baixa cala-se e o único som que se ouve é o do mecanismo do relógio, iluminado pelos raios de sol vindos do tecto. Como se fosse uma pista para o Santo Graal ou um qualquer outro segredo perdido nos tempos. Uma pista só decifrável ao meio-dia daquela terça-feira.  


Mas o melhor está lá em cima. Depois de mais algumas dezenas de degraus em caracol, mais de cem ao todo, chega-se ao amplo terraço de onde se tem uma vista única sobre a Baixa, o Castelo, o Terreiro do Paço, o Tejo e ainda mais além (o que também mostraria, tivesse uma máquina apropriada). O melhor de Lisboa, visto duma varanda como nenhuma outra.

Só ali me apercebi do tamanho descomunal do Arco, da altura a que está da rua e da dimensão brutal das estátuas (que representam a Glória corando o Génio e o Valor), impossível de perceber ao nível do solo.
Uma última palavra para o Paulo, o amigo a quem tenho de agradecer esta visita única. Ele também é fotógrafo. Dos bons. E dos que não se esquecem da máquina. Fica aqui o link para o seu blogue, onde me prometeu que iria publicar algumas das fotografias que tirou e que espelham, melhor do que as imagens que eu aqui deixo, o admirável Arco da Rua Augusta. 



domingo, 20 de maio de 2012

Do Guincho ao Inferno

Ontem fiz finalmente um passeio fotográfico! Quantas saudades! Hoje não vou mexer-me por causa disso mas como chove lá fora, está um bom dia para ficar em casa sossegada. Foi o último dia do curso de técnica fotográfica que me tomou os últimos dois meses e nada como ir fotografar para acabar em beleza. Tive a sorte de ficar numa turma impecável e com um professor sempre disposto a ensinar-nos mais e mais. Apesar do tempo instável, fomos para a zona do Guincho. Começámos pela Praia do Abano e, não ligando às nuvens ameaçadoras que pairavam sobre as nossas cabeças, lá nos aventurámos de tripé às costas e câmeras em punho. 



O areal estava praticamente deserto, com excepção de um casal de namorados e um pequeno grupo de amigos. Foi por isso engraçado ver onze corpos semi-curvados sobre onze tripés, envolvidos por areia, mar, rocha, pedras e uma maresia que apesar de nos secar a boca, sujar as objectivas e entranhar-se nos ossos, me deu aquela sensação de força e liberdade que uma praia no Inverno consegue tão bem transmitir. 


Rapidamente a nuvem cinzenta descarregou a sua fúria, levando para outras paragens os nossos companheiros de praia. Nós aguentámos estoicamente por baixo de umas rochas e, minutos depois, tinhamos uma areia muito mais lisa e uma luz muito mais clara para continuarmos a fotografar.



Do Abano fomos para o Guincho. Sentámo-nos um pouco na esplanada a apreciar o calor do sol que então brilhava e para retemperar energias, mas rapidamente veio a vontade de irmos para o areal fotografar os kite surfers que por ali andavam...





... indiferentes à chuvada que fustigava o mar e rapidamente se aproximava de nós...




É claro que a praia não era apenas dos kite surfers...


O frio e a chuva acabaram por levar a melhor, por isso resolvemos ir aguardar o anoitecer na Boca do Inferno, onde pelo menos havia algum abrigo. 


Apesar do frio que fazia junto ao mar, as rochas estavam cheias de pescadores quase indiferentes aos elementos e ao lento passar do tempo e, talvez, à beleza de uma paisagem que fará certamente parte do seu dia-a-dia.



Quando anoiteceu, conseguimos finalmente fazer algumas experiências fotográficas mais arrojadas...


Não foi porém um anoitecer daqueles em que o céu se tinge de mil cores e que nos dá fotografias memoráveis. Estava um céu demasiado fechado para isso. Mas não deixou por isso de ser um bom momento...


O fim do passeio foi (creio) na Baía de Cascais. Infelizmente não consegui aguentar até lá, com uma grande pena minha. Deve ter dado grandes fotografias... Mas a exaustão tomou conta de mim e só tive forças para conduzir de volta para casa. Significa isso que em breve terei que voltar para desfazer este pequeno senão num dia perfeito. 

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Cais do Sodré (lê-se Caixodré)

Gosto do Cais do Sodré. Tem memórias que não quero perder. Estão lá o barco que trazia a minha avó, tão ansiosamente esperado como odiado no momento em que a levava de volta a Almada, o ritual de jantar no Rio Grande com os meus pais e irmão (o melhor frango assado de Lisboa - mesmo que não seja verdade) e, mais tarde, as noites do Jamaica, o cacau da Ribeira, o último comboio da noite (que às vezes se perdia), o eléctrico preso pelos carros mal estacionados e liberto pelos passageiros.
Claro que estas memórias não estão presentes todas as vezes que ali passo. Não estão quando vou de carro, quando o Cais do Sodré é só mais um semáforo que é preciso vencer depressa. É preciso ir lá. Com o vagar que as memórias exigem. Que merecem.

E por isso fui. Retomei o caminho interrompido há quase um mês. Agora o largo de S. Paulo estava mais habitado, mais amigável, quase a envergonhar-me das palavras com que o caracterizei. Segui a rua de S. Paulo até depois do arco formado pela rua do Alecrim, até chegar à rua Nova do Carvalho, a rua dos bares. A rua mais cosmopolita de Lisboa. São cerca de 500 metros lineares onde cabe Roterdão, Tóquio, a Jamaica, a Europa. Onde paradoxalmente mal cabe toda a gente que cá quer vir, agora que está longe da gloriosa decadência, quando era dominada por bares de putas (na altura não me lembro de existir a palavra alterne) mas que já tinha o Jamaica cheio que nem um ovo e onde a noite não era noite sem uma zaragata das antigas. É claro que está melhor agora mas a saudade está-nos tatuada no carácter e não posso deixar de sentir alguma pela rua de antigamente.


A Rua de S. Paulo acaba na Rua e Largo do Corpo Santo, onde começa a rua do Arsenal, via que durante anos pensei ser a dos Bacalhoeiros, por causa das lojas que vendiam o amigo fiel e ainda o fazem, apesar da pressão para satisfazer a clientela turística com ímanes, camisolas chinesas do Ronaldo e garrafas baratas de vinho do Porto.  
Depois da Praça do Município, onde espero se continue a comemorar a república, mesmo que se trabalhe, alcancei um Terreiro do Paço outra vez, ou talvez ainda, em obras, embora confinadas à sua extremidade a Norte.
Também a Ribeira das Naus está em obras. Como sempre. A placa que lá está agora promete o seu fim até final deste ano. Mas fala também de uma ameaçadora segunda fase cujo prazo não é referido. Fico com a impressão que o exame final dos cursos de arquitectura é projectar remodelações àquele pedaço histórico de Lisboa (correndo o risco de ser óbvio, a avenida tem esse nome porque era dali que partiam as naus quinhentistas). Assim, os projectos são tantos que, quando os estudantes passam a arquitectos têm que os implementar numa pulsão remodeladora que parece não ter fim.
Se algum aspirante a reformador da Ribeira das Naus me estiver a ler, deixo a sugestão – deixem-na quieta. Não há nada pior do que ter um Tejo preso por tapumes, atrás das barras de um estaleiro, numa imagem a que nem faltam placas a dizer Nova Ordem Justa, o nome da empresa que impede que se roubem as escavadoras e os anéis de esgoto…
Regressei ao Cais, verdadeiramente ao Cais, através de um espaço novo, cedido a instituições europeias e roubado aos cacilheiros. Aliás essa obra, ou outra antes, roubou também dali o relógio que carregava a responsabilidade de marcar a hora legal. O relógio (ou outro, não sei) está lá, a menção à legalidade da hora é que não.
Mas não faz mal. O Cais do Sodré está fora e por cima do tempo. Tem um presente cheio de memórias, sejam elas pequenas e pessoais como as minhas, ou grandes, colectivas e colossais como as da partida das naus para o mar desconhecido.


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